QUANDO UMA SOCIEDADE AGONIZA
Os preceitos básicos para uma sociedade mais justa e igualitária gira em torno dos mecanismos que permitem ao cidadão ter qualidade de vida, em sua forma mais genuína. O controle social, proporcionado tanto pelo poder público, como pela sociedade civil organizada, traça os parâmetros para o exercício pleno da cidadania. A convivência pacífica no meio social só é possível a partir do momento em que todos aqueles que fazem parte do mesmo participem democraticamente das decisões importantes em benefício da coletividade. Uma sociedade igualitária e socialmente mais justa perpassa por instâncias mais amplas. A educação é, sem dúvida, uma das instâncias mais importantes para se alcançar esse objetivo. Só através dela é que garantimos o sucesso de uma geração inteira.
Alguns exemplos podem ser expostos aqui como referência: a China, país mais populoso do mundo, iniciou um processo de investimentos maciços na educação nas décadas de 1970 e 1990, foram quase 20 anos de programas educacionais voltados para reduzir o analfabetismo no país, e mais do que isso, qualificar uma gigantesca mão-de-obra para o mercado de trabalho de um gigante industrial em ascensão. Não deu outra, a China despontou, já a partir da década de 1990, como um dos Dragões Asiáticos, com o maior crescimento econômico do mundo, beirando os 10% ao ano. E mais, fez surgir uma classe média de 300 milhões de habitantes em 15 anos. A Índia seguiu os mesmos passos, a educação tecnológica foi capaz de transformar o país num dos principais pólos de produção e desenvolvimento de alta tecnologia do planeta. Bem, o Brasil tem melhorado sensivelmente os investimentos em educação, tem implementado políticas mais democráticas dentro das escolas e ampliado a oferta de vagas nas universidades federais e institutos federais tecnológicos, mas isso ainda não é suficiente, a melhoria da qualidade das escolas públicas em todo o país é uma ilusão, muito pelo contrário, a escola pública vive o fracasso de não conseguir mais ser atraente ou interessante para uma camada de adolescentes e jovens que não vêem neste espaço algo que garanta seu futuro, através da qualificação profissional.
O efeito dessas políticas públicas fracassadas, torna a realidade um jogo de efeito dominó, perpassando as instâncias federal, estadual e municipal. Especificamente na no âmbito dos municípios é que a coisa fica mais grave; falamos das pequenas cidades do interior do Nordeste, não excluindo as demais regiões, mas apenas para delimitar a análise. O município de Serrolândia vive hoje o que podemos chamar de sociedade agonizante, a falência de todos os mecanismos que serviriam, em tese, de regulação social e que se perderam no próprio emaranhado criado e recriado por sucessivos gestores corruptos que nunca tiveram o compromisso com a sociedade serrolandense. Por décadas a fio, a educação foi tratada sem a menor importância, se deram conta do grave erro que estavam cometendo: escolas mal equipadas, professores desqualificados e mal remunerados, falta de material didático, transporte escolar precário, alunos desmotivados, são apenas alguns dos problemas identificáveis. Na outra ponta o ice-berg estavam as verbas pomposas dos fundos federais e estaduais para a educação que tanto encheram os olhos de quem teve interesses escusos no manuseio do dinheiro público.
Sem saber o que realmente acontecia, as escolas de Serrolândia já não mais atendiam às reais necessidades dos indivíduos que delas precisavam. Aqueles cidadãos, marginalizados, inclusive nos espaços propícios e destinados à inclusão, buscaram de qualquer maneira outras formas de demarcar seu território e mostrar para o sociedade serrolandense, falida e agonizante, que estavam vivos, pulsantes e excluídos. Não deu outra, uma massa de jovens, desempregada e fora da escola, foi um prato cheio para o crescimento do tráfico e consumo de drogas pesadas. Os traficantes se deliciam com grupos e grupos sem perspectiva profissional, à margem da sociedade, sem oportunidades, e que não enxergam no poder público e nos órgãos representativos a segurança que lhes é devida.
A situação do consumo de crack e outras drogas no município de Serrolândia é alarmante. O que a escola não foi capaz de fazer, as drogas estão fazendo. Consequentemente tem se intensificado o número de crimes cada vez mais hediondos e com requintes de crueldade. As pessoas ainda não perceberam que o problema atinge todos de uma maneira bem geral. O crack é avassalador em todos os sentidos, ele chega em menos de 10 segundos o sistema nervoso central, dando a falsa impressão de bem-estar, efeito que passa tão rápido quanto veio, mas vicia muito mais rapidamente que qualquer outro entorpecente. Daí em diante o usuário não consegue mais se libertar do vício e precisa de uma quantidade cada vez maior da droga. Nesta fase ele precisa de dinheiro para comprar a “pedra”, quando falta dinheiro vem uma outra fase do consumo, ele começa a vender objetos pessoais ou da casa onde mora, envolvendo toda a família no desespero do vício. Desse estágio em diante, além da aparência física já debilitada, o usuário vai começar o processo do furto e do roubo para manter o vício, além de já ter perdido boa parte do convívio social ele agora parte para o mundo do crime; roubar e matar para um viciado em crack tem praticamente o mesmo sentido, a distância que divide as duas palavras está apenas no desespero e no estágio em que se encontra o viciado.
A repressão policial é importante, mas não resolve o problema, pois, como dito anteriormente, não está apenas no consumo da droga. Medidas paliativas são importantes, mas apenas remediam o problema. E aí, voltando a questão da educação, necessitamos de medidas preventivas e ações mais enérgicas para evitar que outros adolescentes de jovens entre nesse jogo perigoso e quase sem volta do consumo de drogas. Fechar os olhos e achar que o problema não é nosso, torna-se bastante conveniente para quem não quer se envolver na questão, mas não nos esqueçamos que as nossas casas podem ser invadidas, nós e nossos entes queridos podem ser roubados e mortos por dinheiro para sustentar o tráfico, e o que estamos fazendo? O Governo do Estado da Bahia publicou recentemente um estudo em quem que aponta que 80% dos homicídios de jovens entre 17 e 29 anos tem relação com o consumo de drogas e principalmente com o crack, por ser barata chega em todos os cantos da Bahia.
Estamos pagando pelos descasos do passado, mas não podemos nos conformar com a realidade atual e devemos nos mobilizar para fazer algo no intuito de resolver a questão. É preciso compreender que o consumo e o tráfico de drogas tem estreita relação com a prostituição e o consumo de bebidas alcoólicas. Os casos mais recentes de pedofilia, na maioria das vezes, está acompanhado do consumo dessas drogas. Portanto, o problema é nosso! Acabar com esse câncer social é dever de todos. O poder público precisa retomar os investimentos na educação básica, precisa mobilizar a iniciativa privada também. Não basta ostentar o título de empresário local, que gera emprego para o município e impedir que os funcionários freqüentem a escola para fazer hora-extra. Estamos num momento de mudança de postura, enxergar a sociedade local na coletividade, foi-se o tempo de olharmos apenas para nosso umbigo, se é que esse tempo existiu.
Quando pararmos para apontar na rua, jovens ou grupos de jovens como viciados e usuários de drogas, pensemos antes quais são as oportunidades que estão sendo oferecidas para eles. Quais são as alternativas que a própria sociedade oferece para que os mesmos não se sintam atraídos pelo vício? Nada!!!
Marcone Denys dos Reis Nunes
Professor e Vice-Presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Serrolandia.
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